17/02/2011

PÚBLICO E PRIVADO



Quando dei de cara com o livro do Ibsen na estante da casa da minha amiga, não titubeeei. O elegi como o meu "livro de bolsa" nessa temporada em Salvador, já que sendo uma leitora relapsa, esqueci o livro que eu andava lendo a passos lentíssimos lá em casa - e só me dei conta disso na metade do caminho, ou seja, não devo estar lá muito entusiasmada com ele.

Essas coleções populares que são encontradas em supermercados e bancas de revistas são ótimas, eu mesma tenho alguns exemplares de clássicos comprados em viagens ou em ocasiões tipo:

- Está tão barato, porque não levar esse título indispensável para qualquer biblioteca, mesmo que eu demora séculos para ler?

Na verdade, eu não sabia muito bem quem era Ibsen. Obviamente gostei do título, o livro faria boa companhia a outros de Proudhon, Bakunin e Kropotkin, todos dessas coleções "pops", que tenho lá em casa.

O prefácio contém trechos de um artigo onde ninguém menos que o então jovem James Joyce (de quem eu  até hoje sequer li uma linha, confesso) defende Ibsen das críticas pelo suposto fato do dramaturgo não ser, assim, digamos, um cara suuuper pomposo e eloquente.

A proposta de Ibsen talvez não fosse essa. A proposta, o jeito, a natureza, seja como for. O que não o torna menos brilhante.

Fazia tempo que eu não lia uma peça teatral, e a dinâmica do texto é muito boa. O modo como os fatos se desenrolam é um retrato dos dilemas da natureza humana, da vida em sociedade, da diversidade dos interesses e da dificuldade em compatibilizá-los.

Escrito em 1882 (há 129 anos), "Um inimigo do Povo" continua absurdamente atual. Por que?

Poque os argumentos que tentam nos fazer acreditar que o Anarquismo nunca passará de uma utopia continuam existindo. O incrível é que das mesmas maneiras, com os mesmos mecanismos, extremamente simples em suas essências, sofisticando-se apenas em suas camuflagens.

Dois irmãos. Um é prefeito da cidade, outro médico. O médico é idealista, visionário, ético, passou por dificuldades financeiras ao longo da vida. 

O prefeito? Bem, é um prefeito. A condição dada por tal substantivo repele vários adjetivos. Resumindo, ele não é muito parecido com o irmão.

O mote ocorre quando o médico descobre algo que vai contra os planos de desenvolvimento que o irmão tinha para a municipalidade.

O interessante é que se trata de questões ambientais, sanitárias, de articulação social, enfim, totalmente pertinentes aos dias presentes.

A flexibilidade e a moderação, tão aclamadas atualmente, também são retratadas. O protagonista, Dr. Stockmann, como qualquer pessoa que tome alguma decisão que vá contra a ordem estabelecida, foi acusado de ser inflexível, radical, inapropriado.

Curioso é que até o momento em que a pessoa se insere, mesmo que de modo crítico, no estabelecido, ela é apropriada. E foi, inclusive, bastante flexível para poder estar ali até então.

Mas quem vai começar a ser flexível (leia-se fazer alianças) agora é quem se sente ameaçado. É incrível, mas o poder se sente ameaçado por qualquer coisa, por menor que seja.

E aí, ele vem na modalidade "rolo compressor".

A primeira coisa que eles tentam destruir é a honra da pessoa. Que o diga o Dr. Stockmann, que virou "O Inimigo do Povo".

Muito bom o livro.

Felizmente, assim como certos dilemas humanos, a arte tb é atemporal!

2 comentários:

  1. Querida Tatiana Para-raios:

    foi um prazer passar por aqui e ler essa sua postagem, sincera e muito bem articulada, que reflete perfeitamente a sua personalidade -

    de quebra, o assunto muito me interessa, pois sou um especialista em Joyce, porém ainda meio relapso, visto que não li a obra completa de Ibsen, coisa que o James fez antes de completar 20 anos de idade - ele aliás aprendeu norueguês para ler Ibsen no original, e escreveu uma carta ao velho mestre dramaturgo, que me parece que respondeu animosamente, estimulando o jovem talento.

    Assim, animosamente, continue postando!

    Prometo fazer visitas mais frequentes.

    Atenciosamente,

    Ivan

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  2. Ei, Ivan!

    Sabe que qdo eu estava escrevendo este post, eu me lembrei vagamente da sua relação com Joyce (que eu nem sabia ao certo qual era)? Eu, que mal sei cantar o refrão das minhas músicas favoritas em inglês, acho admirável tanto aprender outro idioma para ler um autor em especial qto ler vários que foram referência para o seu preferido.

    Agradeço seu comentário, que foi recebido como um abraço depois de anos sem nos vermos. Estou feliz pelas últimas notícias suas que tive, pelas fotos que vi e confesso que fiquei um pouco envadecida pela sua visão sobre minha personalidade, formada (ambas) lá atrás.

    Bjos para vc e todos que estão perto,

    Tati

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