Parecia ser "apenas" mais um areal irregular. Relevo totalmente modificado, vegetação suprimida, indícios de movimentação de veículos.
Logo na entrada, a abordagem clásica dos incansáveis policiais da COPPA ao condutor da primeira caçamba. O sujeito, que terminava o carregamento de areia, desceu da carroceria.
"Sou sargento da PM"
Meus ouvidos se aguçaram. Minha porção caga-regras já imaginou: O quêêêêê? Da Polícia e participando assim, deslavadamente de uma infração? O Sr. tem noção que é a própria Polícia a responsável pela segurança nessas Operações?
Mas fiquei ali, no ladinho, só fingindo que não estava observando.
Os policiais perguntaram apenas: "o Sr. é da Reserva?". E conferiram os documentos. Simples, sem dramas, sem grandes casos.
Enquanto isso, a equipe se dissolveu, cada um caminhando rumo a maiores informações. Tentando ver se entendia a real dimensão daquilo que estava acontecendo.
Havia solo desagregado circundado por manchas de mata testemunhas da mineração. Havia sol, aridez, calor. E fui percebendo que havia muito, muito mais gente lá dentro que eu pudera imaginar.
Os meninos do Escritório Regional confirmam: sim, aquele areal é o mesmo que eles haviam interditado há cerca de um ano. O encarregado apresenta notas de saída das carretas.
Saem, por dia, cerca de 90 carretas. Umas maiores, com 12 ou 13 m3, outras menores, com 8. Uma de 8 paga R$ 120,00. O cara passa lá na matiz da Fazenda, paga, e vai ao areal com uma ordem de saída de areia.
Ou seja, o proprietário da área tem, por baixo, uma renda de R$ 10.000,00 por dia. Duzentos mil por mês, se não trabalhar aos findis. Trezentos mil se trabalhar, ou melhor, roubar de sol a sol.
Sim, porque além dele não ter licença ambiental para a tividade, está ROUBANDO recurso mineral da União. Para um cara desses o crime ambiental compensa. Tanto é que ele não deu a MÍNIMA para a interdição à qual estava condicionado.
Claro, né? Quando se tem um sobrinho que é AMIGO do governador, tudo é tão tranquilo...
Eram duas, três, quatro, DEZ caçambas.
O patrão, ao saber que algo tinha saído errado em seus planos, pediu logo pro funcionário passar o celular para os fiscais. A Capitã então falou:
"Não posso falar com ele, estou trabalhando"
ATORON!!!
Aí o Sr. Areia liga pro sobrinho, que vai, em Salvador, direto para a Repartição, reclamar que o tio estava sendo mal atendido pelos fiscais. E que era uma vergonha para o tio, pessoa pública e importante, ser levado pela gente para a delegacia.
Não dá, colega, não dá. Alguém esqueceu de avisar o sobrinho que o tio nem pisou no areial naquele dia e que a gente nem sabe a cara dele. E acho que esqueceram de avisar lá na Repartição que não deviam atender esse tipo de gente sem hora marcada.
Muito barulho por nada. Quem foi para a delegacia foram SÓ as dez caçambas e o trator que foram encontrados no local, juntamente com TODOS os ELEMENTOS que lá estavam.
Inclusive aqueles dois que estavam entrando no Areial e que quando viram a gente, tentaram dar meia volta. Falaram que só entraram porque a gente chamou, pois na verdade estavam indo para outo local. E que não vendiam areia não, que aquele anúncio de venda de areia estava na carroceira porque o antigo dono do veículo o fazia.
Vamos, então, resolver tudo isso na deléga?
Todos enfileiradinhos, bem bonitinhos, tá?
O que entrou POR ACASO no Areal falou que a caçamba quebrou. Ohhhhh, coitado, que coisa, quebrar bem na hora do deslocamento, né?
Fico DE CARA com a ousadia desse povo. Se fosse eu que tivesse lá no monte de fiscais e policiais, eu ia fazer tudinho, é Sim Senhor e Não Senhor. Os caras ainda tentam de todo modo burlar, contornar uma situação que está mais que óbvia....
Quando soube que tudo bem, ele podia não ir, mas os documentos deles ficariam retidos, ele consertou o carro rapidinho.
E lá fomos nós naquele comboio gigante pela estrada, parando a cidade até chegarmos à Delegacia.
O Delegado foi simplesmente FANTÁSTICO, abraçou nossa ação com muito entusiasmo. Os agentes da Polícia local disseram que já tinham pego o cara em situação irregular, mas ele apresentou as notas, dizendo que o negócio estava totalmente regularizado, e ainda ameaçou processar os agentes.
Nessas horas, me sinto completamente FELIZ com o meu trabalho. São raras, mas existem. E pagam qualquer grana que eu fosse ganhar trabalhando numa estrutura privada, em prol de dilapidação dos recursos naturais. Se máquina nenhuma funciona, que eu esteja na que mais me sinto representada, a mais isenta, por princípio (embora não por prática).
Burburinho na frente da Delegacia. Todos os veículos e chaves lacrados, aguardando o inquérito.
A galera de Repartição, em Salvador, teve a manha de ligar para o telefone fixo da Delegacia para falar conosco, já que nenhum de nós atendia o celular qdo via que era da lá. Me sensibilizo com tanta atenção. Era o segundo contato com fundo político que o people da Sede fazia conosco no mesmo dia.
Eu já terminei meu processo da carreta. Quanto à multa diária do areal, estou esperando para assinar.
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