Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Gregório de Mattos
No último dia 26, a Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o INPE, divulgou o resultado do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica no período 2005-2008. Foram apresentados dados de 10 dos 17 estados onde o bioma ocorre, sendo que nos estados mapeados, todos os municípios foram levantados.
Os resultados? Ah, são resultados das ações realizadas, não poderia ser diferente, né? 103 mil hectares de desmatamento. Não sei qual a minha reação perante isso. Não é de surpresa. Ainda consigo me indignar, sim. Ainda consigo ter uma reação de revolta.
Sim, eu sei, a revolta não é um sentimento salutar, é bem melhor ser uma pessoa tranquila, zen, ter forças positivas para construir um panorama favorável, mas puta que pariu! Só uns bons palavrões mesmo para exprimir o que sinto. É infantilidade? Ah, que bom que me sobram arroubos da juventude! E não sou mais uma funcionariazinha pública acomodada ou me fingindo de engajada mas na verdade altamente comprometida com as negociatas que constróem esse índice inaceitável de desmatamento.
Campeões de um ranking altamente vergonhoso: os estados de Minas Gerais, Santa Catarina e ... tchan tchan tchan tchan... Bahia! Lá vem a Bahia, minha gente! Sorria, vc está na Bahia! Sobre Minas, eu não posso falar nadica, não tenho informação alguma, só que o IEF libera desmatamento de 6.000ha (ooops, isso foi um empreendedor que me disse, e em empreendedor a gente nunca pode confiar, sabe como é!).
Sobre a Santa e Bela Catarina, coitadinha, todo mundo sabe o qual é o babado. As enchentes não aconteceram a toa, e mesmo assim os deputados catarinenses aprovaram um código antiflorestal e claro, inconstitucional.
Agora, e na Baêa? Na triste Bahia, ó quão dessemelhante? Foram perdidos 24.148ha nesse período. Sinceramente, acho que tem alguém brincando. E não sou eu. As pessoas suam, passam anos e anos tentando implementar unidades de conservação de dez, doze mil hectares. E em três anos o Estado perde 24 mil hectares.
Os resultados do Atlas mostram apenas fatos. Mostram a opção de políticas públicas do Estado. Seria um ponto de partida, se a Baêa tivesse interesse ou ferramentas para fazer alguns contrapontos:
- Qual a relação entre área desmatada e área de unidades de conservação estaduais criadas? Ou com a questão fundiária regularizada? (Plano de Manejo criado ou revisados e implementação de conselhos nem sei se conta, porque é manutenção).
- Qual a relação entre autorização de supressão e a área desmatada?
- De que forma a expansão do carvão no sudoeste baiano contribuiu para a presença dos municípios que alcançaram o maior índice de desmatamento no Atlas?
Tipo: dããããr. São perguntas básicas. Respostas que já deveriam estar prontas, a todo momento, num monitoramento que se preze. Monitorar é não deixar a coisa acontecer. Estou falando isso em nível estadual. Não esperar a coisa ficar feia e oh, meu Deus, fomos surpeendidos com uma notícia muito, muito ruim, que ninguém esperava. Não sabemos como aconteceu e agora estamos nos reunindo para fazer um Pacto para a Mata Atlântica.
Nessas horas pareço pessimista. E realmente, não quero ser. Tem que se restaurar, sim! Aliás, existem duas, ou três coisas para ser fazer: conservar o que ainda existe, recompor o que foi detonado e ordenar o uso. Simples, muito simples. Bastavam as pessoas não se renderem à compatibilização de interesses.
Porque na verdade eles não compatibilizam os interesses dos segmentos da sociedade que em tese representam. Eles tentam compatibilizar os interesses dos que podem influenciar de maneiras diferentes na manutenção da estrutura do poder. Na manutenção deles, obviamente. Deles quem? Oras, dos que estão lá, dos primeiro ao enésimo escalão.
Então, ainda acredito, e realmente, me emociono com iniciativas concretas de qualquer natureza para reverter o terrível dano que o ser humano faz a si mesmo, seja sob o ponto de vista ambiental, social, econômico, ético ou quaisquer outros dos inúmeros outros. Sou bastante crédula, sobretudo esperançosa. Mas idiota, não dá para ser.
Acho que precisamos, sim, de um Pacto para a Restauração da Mata Atlântica. A proposta do Pacto é séria, tem nomes respeitáveis. Mas, ao menos no Estado da Bahia, precisamos de mais seriedade. Sabe em qual cerimônia as entidades baianas vão aderir ao Pacto? No Dia da Mata Atlântica - Perspectivas para a Bahia, que acontece hoje, na Casa do Comércio, em Salvador. O cartaz é bem bonito.
Mas a notícia do evento no Portal Seia, desatualizadíssimo, por sinal, tira a vontade de qualquer cristão de comparecer. É tanta autoridade, tanto projeto, tanta coisa que a gente já ouviu, que sinceramente... alguém vai falar sobre as políticas públicas que têm se mostrado completamente ineficiente no sentido da restauração? Concordo que em muitos casos não adianta chorar sobre o leite derramado e a gente tem que partir logo para a ação, mas nesse caso é diferente. A ação não acontece, passam-se anos e anos de gente e organizações pongando nos projetos e falando que vão acontecer.
As autoridades vão, mais uma vez, falar disso, e deixar de lado o escândalo dos números recém publicados do desmatamento? Ou vão falar das graaaandes iniciativas artísticas de restauração que só o Estado da Bahia consegue?
Voltando ao início da minha conversa, aproveitando taaaaanta gente boa reunida, alguém vai estar perplexo com os números da Bahia, o Estado que paga o salário deles (e o meu), e do qual eles são representantes e têm o dever de falar? Não, não, vai estar todo mundo suuuper interessado em fazer lobbys, bons contatos, aparecer bem na fita com os caras do ministério, falar bem sobre os não sei quantos mil hectares que serão restaurados (eu espero, sinceramente que sim, não que eu não espere, mas isso não me faz ir ao evento e ver rostos que eu estou cansada de ver, ouvir palavras que há anos ouço).
Sorry pelo meu densânimo. Notícias cotidianas, como saber que meus chefes não deixaram de cumprimentar só a mim, não ajudam. Hahaha, enquanto era comigo, zuzo bem, porque eu sou "problem" mesmo. Mas os caras não falam com outras pessoas tb. Eu achava que os chefes tinham outras coisas para se preocupar do que com a peãozada.
Com as multas que eles sugerem para a gente suspender, por exemplo. Afinal, eles não gostam quando recebem visitas do assessor do governador. Ficam brabinhos. Acho que eles se esquecem que essas multas que damos têm correlação direta com o índice de desmatamento do Estado.
Ah, coitados, a gente não os entende, né? São tão ocupados!