01/06/2008

ANJO CAÍDO


Estou lendo "No fundo de um sonho - a longa noite de Chet Baker", de James Gavin.

Esqueça aquela cara do Chet Baker quando jovem. Aquela melodia terna, que envolvia as mulheres e as fazia sonhar com o ídolo e comprar os vinis que representavam a pureza do jazz da Costa Oeste - em contraposição com o bepob dos negros - era uma capa para seu pensamento constantemente atordoado. Um dos depoentes do livro se pergunta:

"Como era possível uma música tão idílica emanar de um sujeito que claramente não estava afim de nada de bom?"

Ruth Young, cantora com quem ele passou uma das tentativas de recomeço na vida, dise que:

"Devido à sua reticência natural, as pessoas o tomavam por aquilo que queriam. Como ele desviava os olhos, confundia todo mundo".

No início da leitura (é um catatau de 500 páginas), eu só me importava com o tipo psicológico do trompetista. Incrivelmente parecido com uma pessoa que conheço intimamente, por sinal:

"Na verdade, Baker achava quase impossível relacionar-se com os outros de maneira direta e honesta. Lidava com a maioria das pessoas afastando-se delas, usando-as ou desapontando-as. Suas ações lembravam um comentário feito por Arlyne Brown sobre todos os músicos que conhecera, que eram 'muito sensíveis à música e completamente insensíveis para com o resto do mundo'. Anos depois, Ruth Young definiria Baker como um psicopata - uma espécie explorada por Robert Mitchell Lindner em seu livro de 1944 Rebel without a Cause: The Hypnoanalisis of a Criminal Psychopath. 'O psicopata é um rebelde sem causa, um agitador sem slogan, um revolucionário sem programa', escreveu Lindner. 'Em outras palavras, sua rebeldia se destina a alcançar metas satisfatórias só para si mesmo; ele é incapaz de esforços em favor dos outros [...]. O psicopata, como a criança, e incapaz de retardar os efeitos da gratificação'.

Vivendo com ele, Young veria a raiz do comportamento de Baker: 'Chet era infeliz! Era a pessoa mais insegura que já existiu. E enterrava aquelas inseguranças da melhor maneira que podia'.

Uma dessas maneiras, segundo Bob Whitlock, era posar de estrela, pelo menos por um momento. O baixista lembra de vê-lo exibir um novo sobretudo no Haig: 'pensei, meu Deus, ela acha que é o Clark Gable ou coisa parecida. Havia um monte de gente o iludindo e ele acreditava mesmo naquilo'. Sheldon o comparou 'a um galã de filme: tinha sempre um conversível, um cachorrão e uma garota'."

Ele estava simplesmente andando para as convenções, mas fez de seu próprio corpo sua ruína, como muitos outros ícones da arte. Sem dinheiro, se submetia a gravações medíocres e espetáculos em muquifos. Gabava-se de ter mais de 2.5000 multas por excesso de velocidade não pagas, que guardava numa fronha (hahaha, não pude segurar as gargalhadas ao ler isso!).

Nem sempre era possível rir durante a leitura. O estado zumbi em que ela fica pela droga, as sucessivas promessas de reabilitação, seguidas por recaídas... Um cara com aquela inconformidade toda só podia cair sempre mesmo.... Se picava até embaixo das unhas.

Por outro lado, mesmo após sua decadência (perdeu os dentes numa briga nunca esclarecida com supostos traficantes, e cortou um dobrado para conquistar novamente a intimidade com seu trompete), era profundamente respeitado e admirado.

"Beirach, um músico de formação erudita, se maravilhava com a capacidade de Baker de dirigir a banda quase sem vocabulário técnico. 'Miles diria: não toque tanto os graves, ou toque menos notas em suas frases, mas Chet não sabia explicar essas coisas. Ele dizia: você está tocando muito alto, ou toque mais macio, menos picotado. Além disso, não achava que era sua função dizer às pessoas como tocar. A escolha era delas'.

A maior lição que Baker dava era de como ouvir. Ao contrário de Stan Getz, que geralmente ficava nos bastidores fumando seu cigarro ou checando o relógio enquanto os demais solavam, Baker fechava os olhos e se concentrava atentamente em cada nota de seus músicos."


Isso não evitava que ele se envolvesse em discussões com os músicos, agentes, críticos ou qualquer pessoa que não comprendesse sua genialidade. Ele despertava inúmeras paixões - não só as mulheres, mas sempre alguém o reconhecia e dava uma nova chance - que ele comumente desperdiçava.

2 comentários:

  1. Eu estou lendo " O diário secreto de Laura Palmer", escrito pela filha do David Lynch. Não é nada culturamente importante para minha formação moral (não mesmo), mas tem sido interessante para um processo de emputecimento das minha alma empedernida. ahaha

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  2. Bukowski já dizia "Nuna conheça seu ídolo de perto". É decepção na certa.
    Das biografias que eu li, creio que com a maioria aconteceu isso. Nem se chega a ser decepção, pois isso a gente tem que ter consigo mesmo e não com os outros.
    Parece que essa auto-destruição é imprescindível na música né? E o Jazz sempre foi tão "narcótico", apesar de musicalmente ser mais "comportado". Veja Billie Holiday - nos anos 50 já lutava contra a heróina...

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