27/09/2015

MOSCA



Ele era esquisito. Mas como Mimi não era exatamente a pessoa mais convencional do mundo, relevou. Não ligava para os potinhos de comida brancos com tampa verde. Embora não gostasse de futebol, achava legítimo que alguém adornasse a casa com as cores do time. Afinal de contas, ela decorava a sua com as páginas centrais das revistas de astronomia.

Juntos comiam pipoca, iam ao zoológico e passeavam de Interbairros II. Não eram seus eventos preferidos, mas resolveu achá-los pitorescos.

O sexo com ele lembrava seus tempos de repartição: era burocrático. Inevitavelmente isso se tornaria um problema, mas por algum tempo preferiu se ocupar com a descoberta de novas receitas culinárias. Apagou a lembrança de todas as noites árduas que passara com Fagundes, a quem tentava esquecer depois de ver os noticiários na televisão.

Até que um dia, no alto da roda gigante do Parque Alvorada, o colecionador de flâmulas disse que não queria mais. Mimi não esbravejou, pois lembrou da promessa que faz todo reveillon.

Havia de se tornar uma pessoa mais tolerante. Não disse que ele falava demais e que ela ouvia com paciência pois esperava que chegasse a hora dela também falar. Não disse que preferia ir sozinha à reunião dos Astrônomos Anônimos a passar o final de semana com ele vendendo rifas na quermesse.

Não disse, finalmente, nada que fizesse com que ele a conhecesse de fato. Afinal, a companhia de um ao outro jamais passara de uma insípida conveniência.

De quando em vez Mimi tinha um leve desconforto ao lembrar que podia tê-lo dispensado antes de ser preterida. Em seguida vinha a felicidade de ir ao planetário o invés de colar figurinhas no álbum da Copa do Mundo.

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