28/03/2010

TERRA DE ALGUÉM







B - Tá vendo o cara com a caçamba? Vc pede para ele parar o serviço e desprezar a carga.

A - Tá.

(caminham em direção aos INFRATORES)

A - Olá, bom dia, vcs são os responsáveis aqui pela área?

X - Não, moça, a gente só vem pegar areia.

A -Ah, tá. Vcs tem assim, alguma documentação, licença, autorização para fazer isso?

X - Não, a gente só vem aqui pegar mesmo.

(A, B e C fazem perguntas básicas: para onde vai, há qto tempo explora, quem são os envolvidos).

G - A documentação do veículo está atasada, a habilitação dele vencida.

B - Vcs poderiam esvaziar a caçamba, por favor? E aguardem, pois quando formos para a cidade, vamos todos juntos, levar a caçamba para a Delegacia, tá?

27/03/2010

ASHES TO ASHES

 Início de um dia de trabalho - Inhambupe

A - E no areal de seu José Carlos, vai rolar multa?

B - Ah não, tadinho, ele é pobre, coitado. A gente só vai interditar e pedir para ele se regularizar.

A - Ahã.

(silêncio)

A -Eu tirei umas fotos desse pedaço aqui. Como sempre, vários danos ambientais estão associados. Não bastasse ele minerar sem nunca te obtido licença, a APP dele tá completamente detonada, secou o rio, usa mão de obra familiar sem condições de trabalho... É o dano social aliado ao ambiental.

B - Esses buracos aqui, ele disse que vai usar como tanques para peixe.

A - Sei.

(silêncio)

A - Mas o certo seria ele revegetar tudo, né? Apresentar um PRAD. Porque senão ele minerou ANOS na ilegalidade, aí diz que não quer mais e ainda tem outra atividade econômica em cima do dano ambiental.

B - Ele é pobrezinho, coitado.

C - Mas tem carro. Vc viu ele com a chave do carro dele? Eu demorei anos para poder comprar meu carro, porque só o fiz qdo pude arcar com as consequências de tê-lo.

(silêncio)

A - E esse forno?

D - Está abandonado, ele não faz mais nada aí.

A - Sim, mas ele fazia. Explorava o recurso natural da forma mais impune posível. Claro, a gente é muito incompetente, NUNCA foi feito um mapeamento dos areais em cada região, e planejada uma ação realmente EFETIVA de resolver essa questão.

C - Sei lá tb o quanto adianta a gente se preocupar com isso se a própria instituição autoriza MILHARES de supressões de vegetação em biomas ameaçados.

A - Sim, qual é a POLÍTICA de gestão, o que realmente a instituição quer?

(silêncio eteno)

A BALANÇA

 Forno abandonado de carvão em Inhambupe - BA

Qual é a diferença entre o seu Joselito do carvão e seu Moisés do Areal? E como fica seu José Carlos no meio disso tudo? O fiel da balança não pode ser subjetivo quando se trabalha com LEIS.

I'm so sorry, mas na prova da segunda fase do concurso que fiz para exercer a função que exerço a gente só tinha um foco: legislação ambiental. Acho que isso era importante, senão a galera da repartição não ia tirar do nada, iam preferir falar de influências político-econômicas na gestão pública. Talvez fosse mais sincero.

Depois de anos, esbarro sempre na mesma coisa: Ah, não vamos multar seu Coisinho, porque ele é pobre. E o seu Coisão tb não dá para multar, porque, sabe como é, nunca dá em nada. Então, a rigor, a gente faz o que, pelamordedeus? Finge que trabalha?

Se é para fingir, sou mais ficar escolhendo a cor do meu próximo esmalte. Mas é o seguinte: se me chamaram pro campo, vou ter que trabalhar. Sem essa de fingir que trabalho, em pleno campo. É lá que se tem a oportunidade única de se registrar o que realmente ocorre.

Apesar de ser onde realmente se efetiva o olhar que a instituição deve ter sobre seu objeto (meio ambiente, alguém já ouviu falar?), há um despreparo total para enfrentar as situações de campo. Porque, entre outras coisas, não há uniformidade.

Não aquela uniformidade que engessa, mas a homogeneidade necessária para que as decisões não sejam toscas, amadoras.
Aí a gente se enconta com seu Joselito, tadinho, cuja filha de 12 anos parece saída de uma foto de Sebastião Salgado. É até um desrespeito fotografá-la cheia de fuligem, no início de sua adolescência, ali, naquela nesga de tera, alijada de todo e qualquer futuro cidadão.

Sim, eu sinto muito e a conversa com seu Joselito deve ser a mais conciliadora possível. Agora, o que não dá é para fingir que não viu o forno de carvão dele. Não dá para não falar que ele precisa se regularizar.

Mas o consenso, essa imposição da maioria, travestido de processo democrático, nos leva a abrir mão. O perigo é que nisso, já levaram não só o braço, mas o corpo todo e tambémn a alma dos que pensam que com o curto alcance do braço de fiscal estão conseguindo intervir, de modo significativo, na realidade social.

22/03/2010

NEM COM REZA

 Culto religioso - Inhambupe - BA - 02/03/2010

Depois de dois anos sem participar de Opeações de Fiscalização, resolveram me escalar novamente. Havia um acordo tácito: não me incomodem que eu não os incomodo. Resolveram quebrá-lo, e eu, como sou boazinha,  não falei "não".

Pensei nos pontos positivos e decidi que não seria uma boa hora para ser reativa, o que de maneira alguma significou que correu tudo às mil maravilhas. Aliás, é uma coisa quase certa: não vai correr tudo bem numa estrutura de faz-de-conta.

Começou antes de ir: avisam a gente por e-mail. Nessas horas vejo a decadência da área técnica, da gestão. Não tem mais reunião de planejamento da Operação, de alinhamento, de nada. Aliás, reunião para quê? O lance é cumprir as metas, o lance é no final do ano falar que fizemos 30 Operações, X apreensões, Y interdições.
Para quê, porque, como? Não interessa, e para de questionar. Para onde o órgão quer caminhar, qual a finalidade das ações, quais os procedimentos? Ah, cala a boca e não enche o saco!

Não quis fazer a estressada, mas me lembrei da época em que ainda achava que minha dedicação podia REALMENTE influir nos rumos do lugar onde eu trabalhava: se vc não grita, nada sai. Então, fui procurar saber quais eram os objetivos da Operação, como ia ser a logística, quais eram as rotas, como a gente estava da mapa, enfim, coisas que até a pessoa mais limitada pensa em fazer.

Mas claro, eu sou ansiosa e criadora de caso, para que saber? Afinal eu sou experiente, sei tudo (é aquela velha desculpa- eu confio em vc, vc é bala, vai lá e se vire), a Operação está redonda e mais detalhes vcs terão no  dia da chegada.

Ah tá, então a gente vai perder um dia que poderia estar trabalhando efetivamente, tendo reunião, sendo que podia tê-la aqui? Zuzo bem, só para saber.

Qdo entrei no carro, o motorista já avisou que o mesmo não devia nem estar rodando. ADORO! Adoro viajar em carro que não está apto para o trabalho! Ainda mais agora, que eles são alugados, acho MASSA a repartição ter um contrato com uma Empresa que nem é da Bahia, que oferecia carros que não eram nem plotados (assim algumas pessoas nomeadas pelo PV podiam usá-lo para ir dar aula na faculdade sem dar bandeira), e que não tem nem competência para colocar um carro decente em substituição a algum que quebra.

Assim, torceríamos para aquele carro não quebrar, e se a gente fosse em terreno de difícil acesso, não poderíamos ir sozinhos, já que havia risco REAL e aumentado de uma quebra. Tem nexo escalar um carro que não pode se distanciar de outros numa Operação? Ou o povo que vai estar no carro vai fazer só figuração? Ah, vem  cá, mas reunião de planejamento para quê, né?
Ao descobrir que o ar não funcionava  e os vidros traseiros não abria (melhor que isso, só se tivesse um aquecedor permanentemente ligado), pensei, apertada num bando traseiro onde não havia espaço para minhas pernas: essa vai ser minha última Operação!

Pilates para quê, se minha coluna já estava doendo? Ergonometria? Nem pensar, vc é experiente e enfrenta todas, vá para a Operação. Lembrei de todos os técnicos, concursados como eu, que se submetem a andar de ônibus, muitas vezes pagando a passagem para receber depois. Fiquei pensando que realmente não há limites, e se vc impõe limites, fica mal vista. 

Minha aceitação para participar da Operação estava provando que após dois anos eu estava disposta a relevar algumas coisas, mas que se tinha havido alguma mudança, decididamente ela não tinha sido para melhor. Apostam cotidianamente no  EMBURRECIMENTO das pessoas. Ficam incutindo que fazer tudo isso, enfrentar a incompetência gerencial e técnica é edificante, que a gente é uma espécie de Indiana Jones.

Só que a gente não é. A instituição não tem procedimento NENHUM documentado, ao contrário do IBAMA, que mesmo assim enfrenta as dificuldades sabidas. 

Chegando no Escritório Regional, os meninos de lá falam, felizes com nossa chegadam: vem cá, vcs que estão chegando de Salvador, digam para a gente como vão ser as coisas.

Hahaha, é para rir?